Wednesday, January 10, 2007

Suplentes

Juro por Deus que, essa semana, eu escreveria sobre algum assunto internacional. Pensei em vários ocorridos que realmente mereciam ser comentados, mas fui surpreendido pelo primeiro escândalo verde e amarelo do ano. Se continuarmos assim, não sei se terei tempo para comentar a crise no Oriente Médio ou a corrida pela candidatura democrata à Casa Branca.

A promiscuidade moral no Brasil não tira férias, e cada vez mais batemos recordes de velocidade com que as questões nacionais, que nos embrulham o estomago, chegam ao nosso conhecimento. Desta vez, como quase sempre, o parlamento nos brinda o Ano Novo com uma “champanhota” indigesta; como tantas, aliás, que vêm sendo empurradas goela abaixo de todos nós, desde a elevação do Brasil a Vice Reino em 1808. Mas, apesar deste histórico, não creio que houve um momento na história em que fosse tão evidente o mar de escândalos como estes que nos cercam atualmente.

Pois bem, sem mais delongas, semana passada tomaram posse na câmara, os suplentes de deputados que foram eleitos para outros cargos públicos ou tomaram posse em secretarias estaduais. Estes novos deputados terão o fantástico mandato de um mês. Um mês inteiro. Certamente muitas coisas podem ser feitas em um mês, mas talvez não em Brasília, já que a câmara está de férias (ou recesso parlamentar, se preferir). Ou seja, nossos novíssimos deputados terão um duplo prazer: serem deputados federais e passarem toda a legislatura sem fazer absolutamente nada

Para este período de trabalho hercúleo, os novos representantes do povo podem chegar a receber 85 mil reais. Trocando em miúdos, eles receberão em um mês o que a média da população brasileira levará 8 anos para ganhar. Isso mesmo, 8 anos!

Serão quase 13 mil reais de salário; aproximadamente 15 mil reais para despesas básicas como combustíveis, jantares e aluguéis; cerca de 50 mil reais para funcionários, 3 mil reais para moradia e cerca de 4 mil reais para telefones e correios. Morram de inveja socialites! Nem vocês conseguem tamanha profusão em tão pouco tempo.

85 mil reais! É um atentado à inteligência do eleitor consciente, já que a grande massa está hipnotizada pelas migalhas que caem das mesas governamentais. E a questão não é apenas numérica, afinal, economicismos jogados ao vento não valem de nada. Os números são o que menos importa. O que importa é a filosofia da coisa. Paga-se sem trabalhar. O inverso da escravidão. Talvez a lei deveria ser tão dura com quem recebe ordenado sem trabalhar, como é com quem obriga o outro a trabalhar sem ganhar.

Será que teremos esta cara para sempre? A cara de um país onde ganhar sem trabalhar é mérito; onde o esforço para se conseguir sustento é visto como uma atividade para as camadas “inferiores”; onde há uma nobreza que vive em um mundo lírico, se alimentando da fantasia de um país rico, construído como um castelo de cartas. Esse tipo de cultura, que herdamos de nossos colonizadores, precisa ser extirpada de uma vez por todas de nosso meio.

O que ocorreu no congresso não é ilegal. Até mesmo o chefe da casa buscou na lei uma boa desculpa para este acontecimento. A lei não permite que a câmara tenha um número inferior ao de deputados que foram eleitos. Está é uma boa lei, mas em contra partida, acaba permitindo aberrações como essa.

A lei deve ser cumprida, sempre. Mas pode ser modificada. Um upgrade cairia muito bem neste momento.

Assim, temos quatro anos pela frente para que esse tipo de aberração não se repita nunca mais. Afinal, os que entrarão em um mês são os mesmos que têm o poder de, no momento, fazer alguma coisa.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Acho que, talvez, seja até melhor mesmo esses suplentes estarem fazer nada. Se eles usaseem o poder que têm nas mãos por 1mêm, quanta coisadesagradavél poderia acontecer ao Brasil????

12:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

E eu hoje levaria cerca de 17 anos pra conseguir isso. Pois é...

Talvez se as regalias fossem extirpadas do bolso mensal nossos exmos. deputados valorizariam mais o esforço... já pensou se a maioria os deputados ganhassem por produtividade? Iriam passar fome...

3:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Brasil é uma palhaçada.
Vo botar um uniforme listrado de preto e branco e uma mascara do zorro e aparecer na frente do palacio do planalto talvez eu seja contratado pra fazer algo por lá

6:13 PM  
Anonymous Anonymous said...

É com certa tristeza que confesso não ter me surpreendido com essa notícia aí...

O problema do Brasil é infinitamente complexo, e, a meu ver, a perspectiva de melhora para o futuro é infinitesimal. Quem tem o poder nas mãos faz vista grossa para alternativas claras, como, por exemplo, orçamento impositivo, voto distrital, expansão do universalismo de procedimentos e aumento no insulamento burocrático. Já se sabe o que fazer. Falta interesse em fazer.

Indiscutivelmente, não interessa a um representante "mensaleiro" ou "sanguessuga", por exemplo, ter uma ligação tão mais próxima com seu representado quanto podemos presenciar em eleições por voto distrital, uma vez que este visa defender interesses alheios aos de seus representados.

O clientelismo, por exemplo, assombra a máquina burocrática brasileira há séculos por um simples motivo: Para quem está por
cima, não interessa virar a mesa. Não interessa a "aparelhadores", que empregam irmão, filho e sobrinho, expandir admissão por concurso público à todos os cargos públicos, como acontece nos EUA e Inglaterra (exceção apenas para ministro/"secretary"). "Cargo de confiança" é uma invenção tupiniquim. Um artificio imundo, concebido com perfurar a burocracia, e a abrir espaço para o clientelismo. Um rombo grotesco na democracia brasileira. Um rombo que, como tantos outros, qualquer um vê. Um rombo que poderia ser facilmente vedado, se assim interessase a quem tem tal poder.


Excelente texto.



Uma leitura muito interessante para você:

http://www.fgv.br/livro/dsp_download_livro.asp

Puxação de sardinha à parte (:P), esse livro é o resumo conclusivo do mais recente trabalho de consultoria da FGV para a esfera federal. "Temas para o desenvolvimento com eqüidade" aborda os principais atravancadores do crescimento econômico brasileiro, em variados âmbitos e sob diversos aspectos, e, na medida do possível, sucintamente propõe soluções.

Sucintamente, pois se trata de um estudo preliminar, e não de um plano de governo. Ainda.

Soa simplista, mas é bem estruturado, e, de certa forma, objetivo. Afim de manter a imparcialidade, não foi cobrado um centavo pela consultoria, e o livro resultante é distribuido gratuitamente. =]

7:56 PM  

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