Wednesday, January 24, 2007

Confissões

Preciso confessar-me. A princípio quando soube do desmoronamento da obra do metrô paulista, há alguns dias atrás, não senti nada. “Mais uma destas tragédias que rondam a vida, e só” - pensei comigo. Somos acostumados a nos blindar contra casos assim. É a barreira da impessoalidade – mais um acontecimento trágico, esperemos o próximo. A barreira do “não acontecerá nunca comigo.”

Mas, uma das várias reportagens que bombardeiam os telespectadores sobre o tal desmoronamento, de fato, me sensibilizou.

Realmente nenhuma bomba em Bagdá, nenhum crime no Rio, nem mesmo o genocídio moral cometido pelos representantes de nação mexem comigo, como eu fui tocado desta vez. Me deparei com uma reportagem com a família de uma das vítimas. Não sei o que o repórter esperava com aquilo. Ir tentar um furo jornalístico ao incomodar uma família afogada na aflição da espera de alguma notícia do resgate? Não me parece certo, mas...

Era a família de um jovem de 22 anos, casado a pouco mais de um ano, cuja esposa esperava há oito meses um filho seu. Enquanto transmitia-se a reportagem, o jovem cobrador estava enterrado sob toneladas de escombros. Ver sua esposa arrumando uma mochila com suas roupas e dizendo o que ela faria ao reencontrá-lo me chocou. A esperança da jovem esposa era inversamente proporcional à minha. Talvez por isso eu tenha me impressionado tanto, a ponto de, para mim, aquela tragédia ser maior do que qualquer tsunami.

Pensei no jovem cobrador Wescley e nos sonhos que estavam, agora, enterrados com ele ao lado da marginal Pinheiros. Pensei também nos outros: no motorista, na advogada, até na vítima desconhecida, que até então, não se sabia quem era, nem se de fato existia. Também me vieram à mente as pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas. Principalmente das casas que haviam sido demolidas em prol de um resgate mais eficiente. Sempre imagino as pessoas deixando para trás suas memórias, estampadas nas fotos antigas, que nunca mais serão vistas ou em objetos singelos, que representavam momentos especiais.

Dizer que a cratera formada engoliu muito mais que escombros é lógico demais. Não me atrevo a isso. Mas, quando soube desta tragédia pela primeira vez, não imaginava que aquele buraco havia engolido tanta coisa. Engoliu sonhos, engoliu futuro, engoliu passado, engoliu muito mais do que o homem é capaz de contabilizar.

Para um banquete como este, tem que haver um anfitrião a altura. Quem o será? – pergunto-me agora. Será a insaciável fome por lucros das empreiteiras – que, segundo um anônimo funcionário, mascarava rachaduras a fim de fazer com que não se percebesse as falhas estruturais do projeto? Será a notória e histórica incompetência da máquina governamental, que tem a incrível capacidade de nunca enxergar o óbvio? Será a chuva, que por mais que não quiséssemos, insiste em cair sobre nós?

Maldita chuva. Só pode ser ela. Cai como quem não quer nada e, quando menos se espera, destrói casas construídas ilegalmente, inunda ruas mal projetadas, alaga cidades cujos diques de contenção foram violados e, se um projeto for mal executado então... lá vai ela destruindo tudo por onde passa.

Sem mais delongas, coloquem logo a chuva no banco dos réus! Prendam-na. Arrastem-na para masmorra! Antes que nasçam mais buracos e traguem coisas mais importantes, como a incompetência de uns e o desleixo de outros. Porque este buraco, este buraco meu caro leitor, já foi o suficiente para me tragar.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Nao ha nada que compre um sonho.

11:52 AM  

Post a Comment

<< Home